domingo, 2 de novembro de 2008

Morremos lutando, de graça não tem não!

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Subcomandante do Batalhão de Rotam esclarece boatos entre a instituição em que trabalha e o BOPE

Os policiais de Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam), que compõem atualmente um batalhão em Goiânia, são muitas vezes criticados e taxados como violentos devido às suas práticas cotidianas diferenciais. Para desmistificar a imagem dessa ramificação da Polícia Militar, o Capitão André Henrique Avelar de Sousa, atual subcomandante do Batalhão de Rotam, foi entrevistado pelos alunos da disciplina de Produção de Texto Jornalístico, da faculdade de Jornalismo da UFG. Dentro da instituição há 17 anos, já trabalhou na Rotam e na Tropa de Choque da PM. Além de ser formado no curso de Formação de Oficiais é graduado em Direito.

A entrevista se pauta em questões próprias da instituição em Goiás, mas também foram discutidos assuntos polêmicos como a corrupção policial, abordada no filme brasileiro Tropa de Elite, e o tráfico de drogas na capital goiana.


PTJ I: O filme Tropa de Elite, sucesso de bilheteria do cinema brasileiro, é um filme muito polêmico, pois trata principalmente sobre a corrupção policial. Qual a repercussão do filme na Rotam?

André: O filme retrata muito bem a corrupção da Polícia Militar dentro de um único Estado, mas podem se aplicar essas denúncias a todo o Brasil, pois as características são muito similares. Tropa de Elite mostra que o BOPE seria a única instituição não-corrupta do Rio de Janeiro, e afirmo que isso é verdade. Na PM de Goiás a Rotam também abomina a corrupção, e quando há alguma denúncia de tais atos todas as providências cabíveis são tomadas.

É um filme muito positivo para nós, no sentido de que a repercussão foi imensa. É preciso mostrar o que um policial passa no seu dia-a-dia. É duro, mas é bom que se mostre. Queimar pessoas dentro de pneus é realidade. Entretanto, o filme, assim como o livro que o originou, revelam coisas que não deveriam ser reveladas.


PTJ I: Quais condições não deveriam ser reveladas?

André: Todos os momentos do treinamento deveriam ser guardados somente para os envolvidos. Os criminosos são nossos inimigos, não podemos mostrar a eles tudo que podemos fazer.


PTJ I: Em Tropa de Elite o treinamento dos policiais é bastante duro e violento. Como é o treinamento para o ingresso na Rotam?

André: O treinamento é muito parecido com o mostrado no filme, seja em termos psicológicos, físicos ou emocionais. São três meses em que passamos por situações extremas. A exigência é muito grande, e muitos desistem. Na minha turma, de 40 inscritos, apenas 16 se formaram.


PTJ I: Há uma certa desumanização dos indivíduos que ingressam na Rotam?

André: Para os civis isso não é comum, mas para nós é necessário. Enfrentamos situações extremas nas ruas, precisamos disso para termos condições de controlar todas as ocorrências.


PTJ I: No filme há a expressão “Se a polícia comum não dá conta, o BOPE vai”. Essa é a mesma posição tomada pela Rotam?

André: Sim. Essa é a verdade. A Polícia Militar recebe as ocorrências pelo telefone 190. Se a situação for considerada difícil, o trabalho é repassado à Rotam. Geralmente quando há denúncias de crimes que utilizam arma de fogo, que é o que efetivamente tira a vida, somos nós quem agimos.


PTJ I: Há muitos mitos que envolvem a Rotam, principalmente com relação ao nível de violência adotado. Qual sua opinião quanto a isso?

André: Na verdade a Rotam não age com violência. Usamos a força necessária para controlar a situação. Se for preciso usar armas, nós usaremos, se nos atacarem de alguma forma, nós revidaremos. Muitas vezes somos apontados por supostamente utilizarmos de violência arbitrária por causa dessas atitudes, mas sempre agimos dentro da lei; não operamos com métodos de tortura como o BOPE faz no filme. Não nego que não tenhamos cometido erros alguma vez, mas sempre fazemos o possível para corrigi-los no nosso dia-a-dia.


PTJ I: O filme mostra que no Rio de Janeiro o crime organizado dispõe de grandes artefatos bélicos, diante disso a polícia também usa armamento pesado. Isso também acontece em Goiás?

André: A Rotam é uma instituição que representa o Estado, e nessa posição precisamos estar à frente do potencial da criminalidade. Este mês recebemos várias armas semi-automáticas, os fuzis AR-15. É um armamento que supera o usado pelos criminosos no nosso Estado. Entretanto não usamos armas tão potentes quanto às do BOPE. Nosso caso é diferente, e sempre fazemos o possível para conter a criminalidade para que não cheguemos ao patamar do Rio de Janeiro.


PTJ I: Especula-se muito que durante o deslocamento do batalhão até os locais das ocorrências ocorrem muitas ações repressivas no trânsito. Isso é verdade?

André: De acordo com o artigo 29 do Código de Trânsito Brasileiro, nós, policiais temos direito de conduzirmos preferencialmente nossas viaturas nas ruas. Muitas vezes a população desinformada interpreta alguns de nossos atos como exibicionismo, mas não é isso. Os policiais que se postam nas extremidades batem nas laterais da viatura para evitar possíveis colisões. Muitas pessoas se assustam com isso, mas para nós é algo normal. Nós precisamos chegar à ocorrência o mais rápido possível, custe o que custar.


PTJ I: Diante desse medo da população, há processos de abuso de poder contra policiais da Rotam?

André: Não é muito comum. Geralmente só abordamos criminosos, e eles não têm argumento contra nossas ações. Infelizmente, podem ocorrer erros em que abordamos pessoas de bem. Mas quando há casos de injustiça nós os apuramos.


PTJ I: Alguns deputados acusaram a Rotam por intimidá-los. Como realmente aconteceu no episódio?

André: Um deputado fez uma crítica ferrenha à nossa instituição, dizendo que todos nós somos bandidos de farda. Diante disso, fomos convidados a estar presentes na Assembléia, assim como qualquer outro cidadão tem direito. Então nos acusaram de intimidação por estarmos armados. Nós não queríamos intimidar ninguém. Andar armados é algo de praxe para policiais da Rotam.


PTJ I: Qual a relação da Rotam com atos preventivos?

André: Concordo que deve haver prevenção. A Polícia Militar, como um todo, é preventiva, mas se há alguma falha, a Rotam entra em ação e cumpre seu papel, reprimindo e sendo ofensiva. Esta é uma das razões por que estamos sempre fardados.
Se a Rotam age assim é por que outros setores do governo estão debilitados. O nosso trabalho é combater a criminalidade. No Brasil convivemos com mais casos de homicídio do que no Iraque, que é um país em caso de guerra.


PTJ I: Qual o nível de integração da Rotam com as outras polícias?

André: Cada polícia tem seu papel diante do Estado. A Polícia Federal é voltada para crimes nacionais. A Polícia Militar é direcionada para trabalhar dentro dos Estados. A Polícia Civil tem um caráter mais investigativo. É difícil ter uma grande integração diante dessas limitações.


PTJ I: As ocorrências são enviadas à Rotam por meio do telefone 190. É muito comum a passagem de trotes?

André: O número não é tão grande quanto se especula por aí, mas há muitos trotes, principalmente quanto às denuncias sobre roubo a banco – mais de 90% são falsas. Mas, independente de ser trote ou não, nós vamos a todas as ocorrências denunciadas. Não podemos desacreditar de nenhuma. Entretanto o prejuízo é enorme. Quando as viaturas se deslocam apenas para um lugar, grande parte da cidade fica desprotegida.


PTJ I: Há pouco tempo foi noticiado que a Rotam foi transformada em um batalhão. Qual a razão para essa mudança?

André: A Rotam era uma companhia independente. Optamos por nos concentrarmos em um batalhão, pois temos maiores possibilidades de crescimento e um maior contingente de policiais disponíveis.


PTJ I: Quais os problemas mais graves contra os quais a Rotam precisa agir ?

André: Com certeza, roubos em residências, seqüestros com reféns e o tráfico de drogas.


PTJ I: Sobre o tráfico de drogas. Como se articula essa rede mafiosa em Goiânia?

André: A maioria das ocorrências é de drogas que são preparadas aqui, e em grande quantidade. Principalmente a merla, que é uma droga barata. Sempre fazemos operações para conter esse problema. Entretanto os criminosos se adaptam facilmente. Se há muita dificuldade em revender determinada droga, eles começam a modificá-la ou mudam o produto.


PTJ I: Qual sua opinião sobre a formação da criminalidade. É opção de alguém virar criminoso ou é fruto do meio em que o indivíduo vive?

André: Um bandido é alguém que está contra as regras. É alguém que fez sua escolha errada. Há pais de família que sustentam três filhos com um salário mínimo e com dignidade.


PTJ I: Em todos esses anos de experiência, houve algum momento em que você pensou em desistir?

André: Há conflitos internos sim, há momentos de dificuldade e somos ameaçados. Mas não pensei em desistir por causa disso. Vivo por idealismo. A cada dia gosto mais do meu trabalho.


PTJ I: Há algumas medidas de segurança que policiais da Rotam devem tomar na vida cotidiana? Há algum sigilo de identidade?

André: Às vezes sim. Às vezes até precisamos nos mascarar nas operações. E no dia-a-dia tomamos muitas atitudes preventivas. Não deixamos farda à mostra no varal e escondemos nossas carteiras de identidade. Nos resguardamos, pois preferimos reagir do que cairmos em tocaia. Morremos lutando, de graça não tem não!

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