domingo, 2 de novembro de 2008

Sertão: do senso comum à ideologia

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* Texto escrito em parceria com Paula Falcão e Luana Teles

Há muitos mitos que afirma ser o sertão, apenas uma área demarcada geograficamente. Há quem diga que o sertão está sempre atrasado ou, que está sempre adiante. Outros defendem que é uma área onde os marginalizados sociais se agregam. No entanto, o que é realmente o Sertão? Onde ele se localiza?

Penar sobre o que é o sertão requer referências que vão além do senso comum. É praticamente certo, que para a maioria das pessoas, a definição do dicionário seria satisfatória: “1-região agreste, distante das povoações ou das terras cultivadas; 2-terreno coberto de mato, longe do litoral; 3-interior pouco povoado; 4-Zona pouco povoada do interior do Brasil, em especial do interior semi-árido da parte norte-ocidental, mais seca que a caatinga, onde a criação de gado prevalece sobre a agricultura, e onde perduram tradições e costumes antigos.” (Dicionário Aurélio). Todavia, há muito mais o que se discutir.

“No imaginário nacional, o lugar da tradição é o sertão concebido como um lugar concreto situado em algumas regiões e estados – o Nordeste, o Norte, o Centro-Oeste, o norte de Minas Gerais – e como uma forma de organização social e de cultura: a sociedade tradicional sertaneja, organizada em torno das atividades de plantio e lida com o gado, onde a vida social é orientada pelas relações pessoais de compadrio, de favor, de proteção e de patronagem, cenário do coronelismo e do jaguncismo, dos movimentos messiânicos, das romarias e das festas populares e folclóricas. No sertão, o tempo é lento e contínuo, daí a persistência de repertórios culturais arcaizantes, que o isolamento conserva e reproduz como autenticidade.” (Sena, 2002).

De fato, o texto de Sena expressa todo o contexto criado em torno do conceito envolvendo sertão, que passou a representar a dualidade, opondo-se à civilização, ao progresso, ao tradicional, à cidade. Afinal, para existir o moderno é preciso o retrógrado; a “civilização” só se sustenta na existência da “barbárie”.

Uma análise mais profunda de toda a conjuntura histórica nos faz refletir a cerca do verdadeiro conceito de sertão. “Sertão e sertanejo não eram termos usados para referir-se apenas à uma região e à uma tradição, mas elementos constitutivos do pensamento social que constrói a idéia de nação brasileira”, como brilhantemente definido por Mireya Suárez em seu texto Sertanejo: um personagem mítico (1998 : p.33). Em outras palavras, não existiria a nação brasileira na ausência do sertão e tudo aquilo que o relaciona.

A conceituação do sertão principiou-se com Euclides da Cunha, em sua célebre obra Os Sertões, que ao narrar à guerra e o massacre de Canudos, por meio de seu olhar evidentemente elitista e preconceituoso, (devido as suas vivências) mostrou a “realidade” do sertão; uma terra seca, rude e de uma gente que luta até o massacre. No entanto, não deve-se iludir ao se escutar: “o sertanejo é antes de tudo um forte”, por que ele assim pode ser, mas sua força limita-se à sua adaptação ao sertão. O sertanejo, para Euclides, é uma figura pitoresca, retrato do determinismo, no qual o meio determina o homem.

Para compreender melhor o “sertanejo” é preciso ressaltar também as origens etnológicas da personagem, comparando estas definições históricas às obtidas atualmente.

No início do processo de colonização da área conhecida hoje como Brasil, os portugueses ao adentrarem mais profundamente no território notaram uma forte mudança climática e mórfica, pois a região apresentava-se definidamente mais seca e quente. Devido a isso, estes colonizadores chamavam-na rotineiramente de “desertão”. Com o passar do tempo, a expressão passou a ser dita como “de sertão”, e mais adiante foi definida apenas como “sertão”. Por conseguinte, o habitante natural desse espaço seria o chamado “sertanejo”.

Já a caracterização atual da personagem “sertanejo” está intimamente ligada a problemas históricos decorrentes do processo de colonização citado acima. Desde os primórdios da ocupação das terras por europeus, especialmente portugueses, a eugenia disfarçada de “projeto civilizatório” justificou inúmeros atos de crueldade a que povos considerados inferiores foram submetidos.

O objetivo concreto almejado pelos colonizadores não era nada mais do que o lucro, obtido por quaisquer meios possíveis, fossem eles genocídios, exploração descriminada ou escravagismo.

Os primeiros a serem atingidos por estas pretensões foram os povos indígenas, que devido a incursões armadas feitas por bandeirantes às aldeias, foram em parte aniquilados por processos intimidatórios de colonizadores que procuravam riquezas, e em parte aliciados como escravos para trabalharem nas produções agrícolas.

Entretanto, nada é comparável à devastação da vida humana ocorrida com a população negra no Brasil. O tráfico negreiro era uma opção altamente rentável aos colonizadores, pois além de oferecer uma mão-de-obra barata, solucionava o problema que muitos possuíam quanto à escravatura indígena, pois os índios, desacostumados com a idéia de trabalho compulsório, engajavam-se em fugas freqüentes e em insubmissão às hierarquias.

Os escravos, vindos de diversas partes da África, foram submetidos a precárias condições de vida, desde os navios até as senzalas. As torturas eram constantes e os indivíduos eram rebaixados da posição de seres humanos para apenas meras mercadorias.

Todavia, em meados da segunda metade do século XIX e início do século XX, a regulação e posterior abolição da escravidão trouxeram novas discussões sobre populações segregadas. Os negros que foram alforriados, viram-se em uma terrível situação: poderiam estar livres das correntes dos senhores de Engenho, mas estavam mais do que nunca presos à miséria, fome, falta de moradia, desemprego etc. Com tantos problemas, essa população de excluídos foi obrigada a migrar para regiões periféricas do país.

Alguns foram para áreas próximas das grandes cidades e formaram bairros africanos que originaram as favelas atuais. Quanto a este tema, pode-se citar a magistral passagem de Francisco Foot Hardman em Tróia de Taipa: “Nada mais emblemático a este propósito, do que a incrível migração do termo ‘favela’, em Canudos, onde se amontoavam labirinticamente as habitações precaríssimas dos sertanejos e, hoje, convertido num vocábulo de significado genérico para as moradias miseráveis nos maiores aglomerados urbanos”(1998: p.132). Já outros migraram para regiões mais interioranas do Brasil para tentar a vida nos quilombos – comunidades que foram formadas por escravos fugidos -, e que agora já não eram alvo de perseguições.

E é exatamente neste momento que se incute uma nova conotação para o termo sertanejo. Além do habitante do sertão, o sertanejo passa a ser aquele excluído social, miserável, com pouco ou nenhum estudo, sendo tratado como ser inferior – o negro remanescente da escravidão ou o índio remanescente de aldeias aniquiladas.

A este respeito escreveu Guerreiro Ramos em seu livro Patologia Social do Branco: “Nas condições iniciais da formação do nosso país, a desvalorização estética da cor negra, ou melhor, a associação desta cor ao feio e ao degradante afigurava-se normal, na medida em que não havia, praticamente, pessoas pigmentadas senão em posições inferiores.” (1995: p.219).

Todo esse estereótipo criado acerca do conceito de sertão e do sertanejo, leva ao (possível) entendimento de como a sociedade se constitui hoje. Problemas, discriminação e preconceitos estão explícitos ao dia-a-dia, mas são, comumente, mascarados pela cômoda realidade individual. Prefere-se acreditar que o massacre de Canudos, por exemplo, é apenas uma trágica página da história da sociedade brasileira e que se limita a tocar o presente. No entanto, a opressão mortal sobre o mais fraco continua a ocorrer, seja por diferença social, ocasionada pelo sistema capitalista, seja pelo choque de culturas, seja por outro motivo qualquer. Mais de um século se passou desde o massacre de canudos, contudo a história se repete.

O sertão adquire novos sentidos e se encaixa em cada região nas quais se encontram os marginalizados; consiste em um tipo de consciência de luta que se desloca por meio de ideologias minoritárias. O sertanejo é o símbolo do indivíduo que não está incluído socialmente, de maneira adequada, e é o responsável por constituir uma nova Canudos em cada periferia. “Falar de Canudos, cem anos depois de seu massacre é falar de algumas permanências na história do Brasil, antes e depois da curta vida daquela cidadela” –Morte e Progresso -Tróia de Taipa: Canudos e os irracionais, de Francisco Foot Hardman.

Tais considerações permitem relacionar os canudenses àqueles que, na atualidade, lutam em grupos, por objetivos que possibilitariam melhorias na qualidade de vida e que, na maioria das vezes não são atendidos, carregando estigmas de revoltosos e marginais. Refere-se aos integrantes dos diversos movimentos sociais, como por exemplo, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), o MNCR (Movimento dos Catadores de Material Reciclável) e, talvez o mais difundido no Brasil, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). A luta pelo reconhecimento e apoio social às suas causas, talvez seja o laço que une esses movimentos.

É contraditório quando se analisa a extensão territorial do Brasil, o quinto maior país do mundo – 8.547.403 km² -, porém a divisão de terras é inadequada e se concentra nas mãos de uma oligarquia agrária. Essa realidade se intensifica com as políticas governamentais que mantém os latifúndios como modelo estrutural, que orienta a economia do país, de modo que, para a resolução (parcial) de problemas relacionados à terra, seria fundamental, como um primeiro passo, significativas alterações na estrutura fundiária.

Determinar com precisão uma data para o surgimento dos conflitos agrários no Brasil é uma tarefa difícil. Baseando-se na história, é possível uma retrospectiva ao ano de 1850, quando, o contexto da época (mudanças sociais, políticas e econômicas no mundo, devido à euforia do capitalismo), permitiu a criação da Lei da Terra, incorporando-a agora, numa perspectiva comercial e não somente, como status social, como fora nos tempos coloniais. Embora não se possa negar a existência desses conflitos antes dessa lei, com sua criação a situação adquiriu proporções maiores. A terra, como propriedade, limitou-se a alguns, tornando-se inacessível para inúmeras pessoas, de modo que, ainda hoje, nosso país “esbanja” esse legado. Um considerável número de famílias, não possui terras e nem condições de sobrevivência, por isso, ocupam fazendas improdutivas, causando divergências com os proprietários e com o governo. Tais conflitos podem acarretar inúmeras mortes, que, em sua maioria, se estendem ao mais fraco. Vários são os exemplos dessa realidade, como o Massacre do Eldorado dos Carajás, uma verdadeira chacina, cujo cenário foi o estado do Pará, em uma tarde de 17 de abril de 1996, em que, mais uma vez a impunidade se fez protagonista.

Exemplificando sucintamente, outros movimentos, como os já citados MAB e MNCR, embora mais “jovens” não são menos importantes e vêm adquirindo espaço e força nas discussões sociais e apoio para seus propósitos. Os atingidos por barragens reivindicam melhores condições para as diversas famílias que foram desapropriadas de suas terras devido à inundação das mesmas, além de se posicionarem contra a construção de lagos artificiais. Já os integrantes do MNCR lutam por um reconhecimento profissional e sua autogestão, facilitando um trabalho que garantirá sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, proporcionará ganhos ambientais e culturais.

Voltando à História, a luta de todos esses movimentos seria em vão, já que a opressão ao mais fraco se tornou uma constante, por exemplo, nas revoltas do período regencial, como Balaiada, Cabanagem e Sabinada, em que grupos organizados, ao reivindicarem seus interesses ao governo, foram duramente reprimidos. Pode-se então, chamá-los de utópicos? Talvez sim. Entretanto, não seria essa a primeira e ideal característica que os condicione ao sucesso? Sem utopia não buscariam alcançar seus objetivos. Sem utopia, esses movimentos não teriam motivos para lutar perante a sociedade e o governo. Canudos, mesmo com terrível destruição, perpetua até hoje e, não seria a utopia construída por esses “sertanejos” a força motriz que, ao deixá-los em nossa memória, impulsiona os movimentos atuais? Sem dúvida, muita semelhança há entre essas minorias sociais que, mesmo separadas pelo tempo, se mantém conectadas por suas ideologias.

Os princípios da eliminação de Canudos como legado para a distinção social

Um dos fatores relevantes para a distinção racial que marcou o mundo, historicamente, foi o que denominamos Eugenia. Atitudes discutíveis do ponto de vista filosófico e sociológico revelam a seleção genética, ou como define o criador do termo eugenia, Francis Galton, “o estudo dos agentes sob controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das gerações, seja física ou mentalmente”, um dos fatores responsáveis por tragédias como o holocausto.

Baseando-se na obra de Charles Darwin, que definiu a sobrevivência dos mais adaptados (mais fortes), a política eugênica passou a categorizar pessoas aptas ou não para reprodução. Socialmente, também costumamos definir categorias, têm-se: o feio, o bonito, o negro, o índio, o sertanejo; essas definições são reflexos do pensamento eugênico, que dentro de uma lógica marxista estimulou o preconceito e a segregação social.

O choque entre as culturas, talvez explique, embora jamais justifique a categorização do ser humano. Um exemplo mais brando, quando se refere a esse assunto, identifica-se no texto de Laura Bohannan, Sheakespeare entre os TIV, em que a história de Hamlet, contada aos TIV da África Ocidental, adquiriu conotações completamente diferentes daquelas estabelecidas em nossa cultura. Os costumes e particularidades de um povo são riquíssimas fontes de conhecimento do ser humano, e essenciais para sua formação, afinal, um homem desprovido de cultura é um indivíduo sem mente, assim seus atos seriam vãos, sem qualquer tipo de padrão, ou significado; a especificidade humana é conseqüência de sua cultura, como se pode perceber no texto de Clifford Geertz, A interpretação das culturas. Outro exemplo dessa situação ocorre no filme O Pagador de promessas, baseado na obra de Dias Gomes, que relata os contrastes entre diferentes culturas. O personagem principal, Zé do burro, um homem do campo, faz uma promessa em um terreiro de candomblé, se propondo levar uma cruz até a igreja de Santa Bárbara; sua ingenuidade perante a cultura “superior” da “civilização” suprimiu nele, qualquer sentimento de maldade ou desrespeito às leis católicas, o que custou sua vida.

É notável a presença da Eugenia, por exemplo, no conto de Bernardo Elis, Nhola dos anjos e a cheia do Corumbá, no qual o filho dá um coice na mãe que possuía deficiências físicas, buscando sua própria sobrevivência: “Quelemente segurou-se aos buritis e atirou um coice valente na cara aflissurada da velha Nhola. (...) Novo coice melhor aplicado e um tufo d’água espirrou no escuro”(1996 : pág.8). O mais fraco é eliminado. Do ponto de vista racial, a eugenia se empenhou em classificar a humanidade em diversas raças, que não existem necessariamente: são todos seres humanos. No entanto, insiste-se nas definições: branco, negro índio, que não deveriam significar nada, nem sequer existir.

A prática da eugenia é uma invenção inglesa, pioneira nos Estados Unidos, mas que teve maior destaque na Alemanha Nazista – Terceiro Reich, em que ocorreu o holocausto, resultante tanto de uma ideologia, quanto da aversão entre grupos distintos. Se essa prática fosse entendida como uma maneira “simples” de diferenciação dos indivíduos, percebe-se que não se trata apenas de distingui-los geneticamente, mas de utilizar a eugenia como causa e conseqüência dos embates culturais. É a lógica de sobrepor-se ao mais fraco.

Ao retomar-se a visão das minorias de cada sertão, focar-se-á no indivíduo, que dentro de uma lógica eugênica seria eliminado. As definições das raças humanas e dos diferentes patamares sociais consistem apenas em pretextos para continuar a prática de extermínio. Um exemplo lamentável ocorreu “no dia 20 de abril de 1997, em que cinco rapazes de classe média de Brasília atearam fogo no índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia na Asa Sul, bairro nobre da capital Federal.”(Carolina Jardon). Galdino, que no dia 19 de abril, Dia do Índio, havia participado de manifestações em prol dos direitos indígenas, terminou o dia seguinte morto, devido às queimaduras em 95% de seu corpo.

E qual foi o motivo da atitude desses cinco delinqüentes? Será que se resume ao fato de Galdino ter uma origem indígena? E por que os cinco jovens receberam e ainda recebem tratamento privilegiado com relação às suas penas? Será que a condição social dos condenados justifica as regalias? Se tomarmos o caso em âmbito geral, todas as questões serão respondidas de maneira óbvia e condizente com a seguinte afirmação da promotora Maria José Miranda, que acompanhou o caso durante os cinco primeiros anos e se afastou por motivo desconhecido: “Se o processo tivesse sido de réus comuns, mortais comuns, teria tido o curso de apenas seis meses. Tínhamos provas em abundância. O processo era, tecnicamente, muito simples”. Os cinco acusados são: Antônio Novely Cardoso de Vilanova, Eron Chaves de Oliveira, Max Rogério Alves, Tomás Oliveira de Almeida e G.N.A.J., que na época tinha 16 anos e cumpriu apenas três meses dos doze que recebeu como pena. Os demais foram condenados à 14 anos de reclusão, mas por meio de um benefício específico tiveram direito de estudar e trabalhar fora do presídio, antes de cumpri 2/3 da pena (tempo exigido para liberdade condicional). Em agosto de 2004, os quatro maiores ganharam direito à liberdade condicional. Será que as regalias são justificadas pelo fato de Vilanova ser filho de um juiz federal?

Apesar de terem se passado dez anos desde o assassinato de Galdino, práticas discriminatórias e violentas continuam em pauta. Mudaram os personagens, permaneceu a obra. Vários mendigos são queimados em algumas cidades brasileiras, como aconteceu no Rio de Janeiro, em dezembro de 2006, quando quatro moradores de rua foram incendiados, sendo que dois morreram “Uma das vítimas, identificada apenas como Paulista, teve 80% do corpo queimado e não resistiu aos ferimentos. Luiz Carlos Ribeiro, de 54 anos, teve 40% do corpo queimado e morreu no hospital” (Fonte: O Globo). No entanto, a maioria dos casos não adquire grandes repercussões e a sociedade, acomodada, passa a encarar episódios como estes com naturalidade.

Deve-se encarar o sertão como uma entidade ideológica presente em cada indivíduo, “sertanejo não é portador de uma identidade ou cultura particular. Também não é um tipo de personalidade, nem habitante de uma determinada região. Sertanejo não é pessoa, mas personagem principal de uma narrativa dramática sobre a nação.” (Suárez, Mireya. 1998: 34). O sertão se desloca com cada um que é marginalizado, inferiorizado, afetado por qualquer tipo de atitude eugênica que adquire o sentido da eliminação de Canudos. “Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. (...) Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de destruir, desmanchando-lhe as casas, 5.200, cuidadosamente contadas.” (Os Sertões, 1902). Não bastavam eliminar os indivíduos de Canudos, era preciso extinguir a ideologia, que à propósito, não foi extinta mesmo com a eliminação da estrutura (casas); assim como não bastou eliminar os integrantes do MST no Massacre de Eldorado dos Carajás e assim como não bastou eliminar o pataxó Galdino, já que o sentido do sertanejo, que luta até o fim, permaneceu.

Há outros casos que refletem uma tendência eugênica na sociedade. A necessidade de eliminar o mais fraco, o excluído, o marginalizado evidenciam episódios como a Chacina da Candelária e o massacre do Carandiru, os quais somados resultaram em 119 mortos. A primeira ocorreu em 1993, chocando o país e o mundo por ser um crime efetuado por policiais; o massacre do Carandiru também se inclui nessa categoria. Deve-se observar a peculiaridade dos fatos: se comparados à Canudos, tem-se novamente a lei, o governo agindo contra seu próprio povo, privilegiando seus próprios interesses. E ainda assim deve-se acreditar que todos os cidadãos são iguais perante a lei.

Se há igualdade um índio não deveria ser queimado por ser índio, o mendigo não deveria ser queimado por ser mendigo. A Chacina da Candelária não deveria ter ocorrido, assim como o massacre do Carandiru. Como rege a Constituição Federativa do Brasil de 1988: “Art. 3.º - IV-promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Mas a sociedade não compreende que a igualdade de “fachada” impõe exatamente a diferenciação entre os indivíduos; a própria Constituição é elemento de distinção. O texto constitucional é “elitizado”; o povo elege uma elite que possui conhecimento suficiente para compreendê-lo, de modo que cada pessoa integrante da sociedade seja representada. Quando uma parte é incluída e outra excluída, a segunda é transposta ao sertão, em que se encaixam, neste caso, os que não são verdadeiramente cidadãos porque “não possuem conhecimento para tanto”. E agora? Nota-se que cada vez mais, que todos são diferentes perante a lei.

Conclusão

Falar sobre Sertão e conseqüentemente sobre o sertanejo é imergir em um mundo representativo e ao mesmo temo real, que assombra nosso universo de brasilidade. O Sertão é onde se concentra tudo de ruim, tudo que é ignorável segundo os preceitos da elite dominante – o negro, o índio, o pobre, o analfabeto, o atrasado etc. O sertanejo sempre está alheio à civilização, sempre está a um passo atrás dos ditos “normais”.

Outra questão interessante sobre esse tema é o fato de que o Sertão necessita de um referencial superior para existir. Na região Sul, o sertão ao Norte; o mesmo ocorre no Sudeste. Para os moradores do Centro-Oeste ele fica no Nordeste, e para os nordestinos o sertão fica mais a Oeste. Já no Norte ninguém se considera sertanejo, assim como nenhum outro brasileiro o faz.
O Sertão é sempre lá. O sertanejo é sempre ele.


REFERÊNCIAS


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ELIS, Bernardo. Os Melhores Contos. São Paulo : Global, 1996.

FOOT HARDMAN, Francisco “Tróia de Taipa”. Em Foot Hardman (org.) Morte e progresso. São Paulo, Unesp, 1998.

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http://www.aparecidanet.com.br/noticias - Assassinato do índio Galdino completa 10 anos.

http://www.adital.com.br/site/noticia - A Chacina da Candelária – 10 anos.

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http://www.adital.com.br/site/noticia - A Chacina da Candelária – 10 anos; por Carolina Jardon.

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www.globo.com - Mendigos queimados no Centro do Rio.

RAMOS, Guerreiro. “A patologia social do ‘branco’ brasileiro”. Em Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro. UFRJ, 1995.

SENA, Custódia Selma. De sertão e sertanejos. In: CHAUL, Nasr F. e BERTRAN, Paulo (Orgs.) Goiás: 1722-2002. Brasília: Mediale Comunicações, 2002.

SUAREZ, Mireya. 1998. Sertanejo, um personagem mítico Sociedade e cultura.

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